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Não, cientistas não defenderam que ovos estão a causar coágulos sanguíneos em “milhares de pessoas”

27 Jan 2023 - 09:53

Não, cientistas não defenderam que ovos estão a causar coágulos sanguíneos em “milhares de pessoas”

Uma captura de ecrã de uma notícia falsa com o título “Cientistas avisam que os ovos estão a fazer com que milhares de pessoas ‘de repente’ formem coágulos de sangue” tem sido amplamente partilhada nas redes sociais, nos últimos dias.

O artigo que aparece na imagem foi publicado no “News Punch”, um site dedicado à produção de desinformação, e está a ser difundido por vários utilizadores de vários países que tentam sustentar uma teoria da conspiração relacionada com a vacinação contra a Covid-19.

ovos coágulos sanguíneos

Os autores destes posts insinuam que os cientistas estarão a tentar encobrir supostos efeitos das vacinas contra a Covid-19, “culpando” o consumo de ovos pela alegada formação “repentina” de coágulos sanguíneos “em milhares de pessoas”.

No entanto, estas alegações são falsas e partem de informação descontextualizada e manipulada.

Porque é que estas alegações são falsas?

ovos coágulos sanguíneos

Em primeiro lugar, o texto do “News Punch” e as publicações falsas sobre este assunto baseiam-se num estudo publicado em 2017 em que se associava a suplementação de colina (um nutriente presente, por exemplo, no ovo) a um potencial aumento do risco de formação de coágulos sanguíneos.

Assim sendo, fica logo desmontada a ideia de que as conclusões dos cientistas tenham servido para encobrir supostos efeitos da vacina, já que o estudo foi publicado três anos antes de ser declarada a pandemia de Covid-19.

Além disso, mesmo na altura em que o estudo foi publicado e divulgado, os cientistas não lançaram nenhum alerta sobre o suposto impacto do consumo de ovos na alegada formação repentina de coágulos sanguíneos em “milhares de pessoas”.

Em conclusão, os autores desta fake news aproveitaram-se de um estudo publicado antes da pandemia, sem nunca referirem a data de publicação do mesmo, e descontextualizaram as suas conclusões para sustentar uma narrativa falsa.

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Mas o estudo prova que consumir ovos causa coágulos sanguíneos?

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Noutro plano, em declarações ao Viral, os nutricionistas Helena Trigueiro e Vítor Hugo Teixeira garantem que não existe evidência científica robusta que permita afirmar que o consumo de ovos causa coágulos sanguíneos. 

Os dois investigadores sublinham ainda que o estudo referido nas publicações falsas também não é suficiente para provar que a suplementação de colina aumenta o risco de desenvolvimento de doença cardiovascular.

O professor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP) começa por explicar que “este estudo foi feito porque se percebeu que havia um metabolito, o óxido de trimetilamina (TMAO), que é um fator de risco para doenças cardiovasculares”. 

Posto isto, tentou-se “perceber o que dá origem a este tipo de composto no sangue” e descobriu-se que, “na origem deste TMAO, estão a colina, a betaína e a l-carnitina, que são os seus percursores”, explica o nutricionista.

A fase seguinte, acrescenta, “era perceber se pessoas que consumiam mais ovos, por ingerirem mais colina, iriam ter mais TMAO”. Assim sendo, o que o estudo de 2017 demonstrou é que a colina “aumentava, de facto, esse fator de risco”.

No entanto, o fundador da Nutriens Academy assinala que a maior parte dos estudos demonstram “que a colina na forma de suplemento aumenta esse fator de risco, mas a colina presente no ovo não parece aumentá-lo”.

“Logo, o ovo, apesar de ser rico em colina, não parece aumentar esse fator de risco de doenças cardiovasculares, o que não quer dizer que fique ilibado na história, porque nós não podemos determinar se o alimento é bom ou mau apenas pelo efeito que tem num único parâmetro, teremos de olhar para muitos outros”, sustenta.

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Ainda assim, o professor da FCNAUP sublinha que ainda não há “certezas sobre qual é a relação entre o consumo de ovos e as mais diversas doenças”, porque “o tipo de estudos disponíveis não nos permitem conclusões definitivas”.

“A maior parte dos estudos que nós temos são estudos que avaliam associações, ou seja, associam o consumo de alimentos com algumas doenças. Só que quando nós vemos associações não percebemos quem causa o quê”, adianta.

Esta incerteza deve manter-se até haver “estudos melhores” que implicam “pedirmos a um conjunto muito alargado de pessoas para comer “x” número de ovos durante o tempo suficiente para as doenças se desenvolverem”.

“E aqui é que está o problema. Nós conseguimos pedir a pessoas para comer 2, 3, 4 ou 5 ovos por dia durante algumas semanas, mas é muito difícil elas manterem isso por anos”, acrescenta.

Enquanto esses estudos não existirem, completa, “não vamos ter certezas, só vamos ter suposições com menos consistência”.

O que é a colina e para que serve?

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Por fim, a nutricionista Helena Trigueiro esclarece que “a colina é um nutriente, uma vitamina do complexo B, e é pouco sintetizada no nosso corpo”.

Assim sendo, “nós temos de consumi-la de forma exógena, ou seja, temos de ir buscá-la à comida para conseguir tê-la na quantidade necessária”, nomeadamente “através do consumo de alimentos como os ovos, a carne vermelha, a soja, o peixe e as batatas”.

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Tal como se explica num texto publicado no site da Escola de Saúde Pública de Harvard, “o corpo também pode produzir pequenas quantidades [de colina] por si só no fígado, mas não o suficiente para satisfazer as necessidades diárias”.

Segundo a mesma fonte, “a colina é convertida num neurotransmissor chamado acetilcolina, que ajuda os músculos a contrair-se, ativa as respostas à dor e desempenha um papel nas funções cerebrais da memória e do pensamento”.

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27 Jan 2023 - 09:53

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